domingo, 25 de janeiro de 2009

O Sentido Intimo das Coisas


“Constituição íntima das cousas”…
“Sentido íntimo do Universo”…
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada. [...]
Pensar no sentido íntimo das cousas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.
O único sentido íntimo das cousas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Psicanálise às Voltas com Mediocridade II


Um dos índices de mediocridade surge quando se vê psicanalistas tratando a matéria clínica como matéria empírica. A confusão é de natureza inconsciente: mistura-se o gramatical, algo que deveria ser apenas o estabelecimento de relações internas (como na arte, como na religião, como nos rituais de todo tipo), com uma verdade de tipo experimental ou científico, algo que estabelece relações externas.

E é por isso que desconfio muito da aplicação da psicanálise por psicólogos e médicos com parca formação humanista. Vem dessa gente (em geral, claro) uma vontade de teorização expressa em frases soltas ao vento, do tipo:

- "Isso, claro, corresponde a uma reação anal com claros índices edipianos" (ele quer referir-se a alguém protestando)

- "A sua linguagem delirante mostra de imediato a foraclusão pela invasão do real no simbólico" (ele quer referir-se a uma entrevista com um esquizofrênico)

- "A impossibilidade de realização do luto impede o processo de introjeção da libido no ego" (ele quer referir-se a uma dificuldade de saída do luto)

E claro, aqui o analista pula do concreto, da práxis, para o abstrato de uma teoria qualquer.

No livro de Elisabeth Roudinesco, História da Psicanálise na França (Zahar, 1988, p. 652), lemos algo a respeito desse tipo de mediocridade coletiva entre lacanianos. Tratava-se de um comentário ciumento de Lacan, no contexto da Escola Freudiana de Paris, contra Nicolas Abraham, Maria Torok e Jacques Derrida. Cito:

"A obra alcança extraordinário sucesso, notadamente depois que alguns lacanianos sentem-se fascinados por essa cripta barroca, ao mesmo tempo tão próxima e tão distante de seu palavreado cotidiano. O próprio Lacan fica muito surpreso. E, sentindo-se agredido pelo fato de se tocar dessa maneira num território do qual se apropriara, interpreta mal a elaboração dos autores e do prefaciador. Em seu seminário, comenta a obra esquecendo-se de que Abraham morreu há um ano e afirmando que Derrida deve estar em análise com os dois autores, já que se atrela a eles. Alguns imbecis na platéia explodem numa gargalhada, persuadidos da justeza dessa interpretação."

O que dizer dessa gente que confunde matemas com realidade? Anos a fio aprendendo e aplicando Lacan, citando-o de cor e salteado, e usando, por exemplo, o matema dos quatro discursos como se fosse uma descrição da universidade, da histérica ou da psicanálise e não uma gramática de posições subjetivas.

O que pode a história ensinar a essa gente sobre os destinos tão funestos que a psicanálise às vezes escolhe para si?

Psicanálise às Voltas com Mediocridade I

Os livros de história da psicanálise deveriam servir para nos ensinar como e por que as instituições psicanalíticas tantas e tantas vezes estiveram envolvidas com o que há de pior (nazismo na Alemanha, década de 30 e 40; ditadura militar no Brasil, década de 60, para citar dois exemplos funestos), e a evitar que as coisas se repetissem.

Mas estes livros, de fato, nada ensinam, em geral, porque pouco podem. E o motivo é da ordem daquilo que a própria psicanálise ensina: o inconsciente.

Por isso, aprenderá algo de um livro de história da psicanálise apenas o psicanalista que já estiver predisposto a isso. Os outros, a grande maioria, não.

Por isso, de novo, não é a análise (boa ou má), nem o aprendizado (bom ou ruim), nem uma teoria (vanguardista ou conservadora), nem a supervisão (precisa ou mambembe) que definirá qualquer coisa, mas tão-somente o desejo eticamente mobilizado. Coisa impossível de proferimento universalmente articulado porque concernente a cada sujeito.

Digo isso como preparação para o tópico a seguir (acima.)

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

sábado, 10 de janeiro de 2009

Ou a Beleza se Derrama em Cascata?

Olhe no céu a imensa lua redonda e prata,
veja como ela flutua leve e veja que o seu imenso silêncio
testemunha nossos mais secretos amores.
Destape a tampa e sinta como se derrama em profusão
uma torrente de belas imagens: você se lembrará
do trovador, das suas brincadeiras de infância,
das suas promessas e grandes enganos, da gratidão.

Lembrará da roupa no armário, do cheiro do seu cabelo,
do travesseiro, de que ela passou por aqui.
Lembrará da ausência, da dor lancinante, do abandono,
de como tudo recomeçou e o que era deserto fertilizou.

Você passará por tudo isso, pelo choro e pelo riso,
pelo ponto mais alto e pelo mais escuro profundo,
por tudo o que é belo, se tão-somente se deixa
embaixo d'água e de tudo o que não pode conter.

Beleza não tem fim?


Hoje eu trocaria o verso de Vinícius por "beleza": quando será que ela acaba?

Tem uma pessoa que quanto mais eu conheço, mais descubro nela magníficas paisagens antes insuspeitadas.

Eu sei que a felicidade é uma pluma que o vento vai levando pelo ar, concordo que a felicidade do pobre parece a grande ilusão do Carnaval, mas acho que é a beleza, não a tristeza, que não tem fim. Tristeza acaba um dia, ela vai e volta, é um bumerangue. Tudo bem. Mas a beleza, não. Tanto na obra de arte quanto numa pessoa. Como em qualquer grande obra de arte, quanto mais vc se aproxima mais descobre coisas novas - e isso pode durar eternamente -, assim são as pessoas que abrigam algo estético em seu coração.

A amplitude do interesse estético.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Muitas vezes nesses dias
me torno profundamente triste.

Não sei por quê, mas sei que
isso não é bom.

Quase não acredito em nada.
Quase não quero tocar em nada.

Linguagem e Pulsão em Wittgenstein

Se o filósofo diz que "Em toda grande arte há um animal SELVAGEM: domesticado" (CV, p. 43) é porque pretende ressaltar a ligação estreita do estético com as pulsões primitivas do homem. Sem isso, não há na obra de arte qualquer profundidade ou poder.

Embora o seu extremo pudor o tenha levado a acreditar que a sua própria obra (arquitetônica e escrita) não tinha sido mais do que mera reprodução, faltando-lhe justamente profundidade e poder, permito-me discordar do autor e qualificá-lo como um dos maiores e mais artísticos filósofos do século XX. Com a visível conseqüência em efeitos de profundidade e poder na sua escrita, claro.

Mas aqui proponho de supetão duas coisas ainda não esclarecidas:
(a) ligação entre obra de arte e pulsão;
(b) efeitos visíveis em profundidade e poder.

Este é um artigo que vou escrever mais tarde. Por quatro motivos:
(a) Freud fez a ligação entre linguagem e pulsão como uma espécie de processo empírico ocorrendo no interior de conteúdos mentais (sem sentido)
(b) Lacan fez a ligação entre linguagem e pulsão como uma espécie de automatismo lingüístico ocorrendo em concomitância com atos individuais (um ocasionalismo sem explicação)
(c) Wittgenstein não deu privilégios epistêmicos à linguagem. A linguagem é tratada como ato entre outros atos subjetivos. Isto é, como vivências. Nesse sentido é que a relação entre linguagem e pulsão pode ser tanto de conflito como de domesticação.
(d) A articulação em linguagem, para Wittgenstein, assume características poéticas como estratégia para vencer a resistência da vontade e atingir objetivos terapêuticos. Essa seria a idéia por trás da metáfora da domesticação do animal selvagem.

Para terminar, veja, caro leitor, essa declaração dos Ditados a Schlick (em The Voices of Wittgenstein, The Vienna Circle (Baker, G. (ed.)), pp. 68-69):
Nosso método se assemelha em certo sentido à psicanálise. Na sua forma de expressão poder-se-ia dizer que uma metáfora atuante no inconsciente é neutralizada se a articulamos. E esta comparação com a análise pode ser ainda mais desenvolvida. (E esta analogia não é, com certeza, uma coincidência).

P.D. 1: Para quem se interessa, publiquei um artigo sobre Wittgenstein e a psicanálise na Revista Trans/Form/Ação. Mas ali não levei em consideração essa última declaração.

P.D. 2: Acabei também de escrever outro artigo sobre "Em toda grande arte há um animal selvagem: domesticado", que gostaria de dedicar a viciados em poesia (não é o meu caso) e publicar em outro periódico acadêmico por aí.

Abçs.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

O Brilho da Ética


Quando uma pessoa ética passa, até as árvores se curvam em reverência.

Isto porque é raro haver uma pessoa assim (pense em Chico Mendes, pense em Florestan Fernandes). Nós só olhamos para o nosso umbigo, e a medida do mundo alcança só a extensão do nariz.

As pessoas éticas brilham sem que nada precisem dizer, resplandecem por seus atos. Suas falas são atos na direção certa. Nunca se as vê cometerem erros.

Na sua vida as disputas resolvem-se sabiamente: não há guerra, não há altercação, não há ressentimento. Tudo se resolve em articulação. Qual articulação? Não se sabe previamente, trata-se de uma ética em situação, não de uma ética de princípios.

O final de uma análise é o reconhecimento do desejo. É a ética: uma troca de posição entre o desejo de reconhecimento e o reconhecimento do desejo como desejo do outro - e o que fazer com isso.

Como é difícil o final de análise: como ter gênio e coragem?