Se o filósofo diz que "Em toda grande arte há um animal SELVAGEM: domesticado" (CV, p. 43) é porque pretende ressaltar a ligação estreita do estético com as pulsões primitivas do homem. Sem isso, não há na obra de arte qualquer profundidade ou poder.
Embora o seu extremo pudor o tenha levado a acreditar que a sua própria obra (arquitetônica e escrita) não tinha sido mais do que mera reprodução, faltando-lhe justamente profundidade e poder, permito-me discordar do autor e qualificá-lo como um dos maiores e mais artísticos filósofos do século XX. Com a visível conseqüência em efeitos de profundidade e poder na sua escrita, claro.
Mas aqui proponho de supetão duas coisas ainda não esclarecidas:
(a) ligação entre obra de arte e pulsão;
(b) efeitos visíveis em profundidade e poder.
Este é um artigo que vou escrever mais tarde. Por quatro motivos:
(a) Freud fez a ligação entre linguagem e pulsão como uma espécie de processo empírico ocorrendo no interior de conteúdos mentais (sem sentido)
(b) Lacan fez a ligação entre linguagem e pulsão como uma espécie de automatismo lingüístico ocorrendo em concomitância com atos individuais (um ocasionalismo sem explicação)
(c) Wittgenstein não deu privilégios epistêmicos à linguagem. A linguagem é tratada como ato entre outros atos subjetivos. Isto é, como vivências. Nesse sentido é que a relação entre linguagem e pulsão pode ser tanto de conflito como de domesticação.
(d) A articulação em linguagem, para Wittgenstein, assume características poéticas como estratégia para vencer a resistência da vontade e atingir objetivos terapêuticos. Essa seria a idéia por trás da metáfora da domesticação do animal selvagem.
Para terminar, veja, caro leitor, essa declaração dos
Ditados a Schlick (em
The Voices of Wittgenstein,
The Vienna Circle (Baker, G. (ed.)), pp. 68-69):
Nosso método se assemelha em certo sentido à psicanálise. Na sua forma de expressão poder-se-ia dizer que uma metáfora atuante no inconsciente é neutralizada se a articulamos. E esta comparação com a análise pode ser ainda mais desenvolvida. (E esta analogia não é, com certeza, uma coincidência).
P.D. 1: Para quem se interessa, publiquei um artigo sobre
Wittgenstein e a psicanálise na Revista Trans/Form/Ação. Mas ali não levei em consideração essa última declaração.
P.D. 2: Acabei também de escrever outro artigo sobre "Em toda grande arte há um animal selvagem: domesticado", que gostaria de dedicar a viciados em poesia (não é o meu caso) e publicar em outro periódico acadêmico por aí.
Abçs.