No Círculo Cínico é o nome de um livro de Ricardo Goldenberg.
Se o nosso tempo for realmente, como o descrevem algumas análises do espírito contemporâneo, o do cisnismo, então a maioria das expressões do pensamento que surge hoje em dia deverá carecer de autenticidade.
Sim, porque o cinismo, no sentido da desfaçatez e do descaramento em que o circunscrevo aqui, e não daquela escola de filosofia antiga que defendia o despojamento material e moral, consiste em simular o autêntico, em parecer-ser, em fingir uma legalidade ou uma moralidade, a fim de angariar alguma vantagem.
Reconhecer-se-á o cínico pela absoluta falta de compromisso com o que apregoa. Todo o resto, o discurso, é semelhante.
Desse modo, não é difícil hoje encontrar o marxista cujo marxismo é tão verdadeiro quanto o sincero amor de Xuxa pelas criancinhas, ou o artista cujo interesse vai, além da arte, direto para a fama e seus dois rendimentos mais ansiados, o sexo e o poder, ou os psicanalistas lacanianos especializados em política, aplicando, de modo imediato e canhestro, uma boa mitologia clínica no complexo e intrincado campo social.
Essas pessoas me lembram vivamente um certo morador da Cidade Universitária II, ali ao lado da Unicamp (Campinas-SP), na Avenida Luiz di Tella, que construiu um castelo num espaço exíguo, e encaixou no local uma estátua de si mesmo. Normalmente é a sociedade quem se encarrega de reconhecer seus heróis e próceres,
post mortem, é claro, e homenageá-los com estátuas por causa de algum benefício social. Mas esse homem resolveu dar-se a si esse reconhecimento, mesmo independente de qualquer ato coletivamente benfazejo, simulando a opinião alheia e o rito social à moda do solipsismo, e colocando sua estátua em posição panorâmica como um grande e eterno prócer. O detalhe, nada insignificante aqui, é que falta autenticidade.
Na luta selvagem na qual a economia de mercado livre nos mergulha, o cinismo em arte, filosofia e psicanálise parece até compreensível. Afinal, para que ser gênio e não ser compreendido? É melhor mesmo vender ova de baiacu como caviar pra não morrer de fome...
Em arte, filosofia e psicanálise a lógica, hoje, é inaugurar estátuas de si mesmo.