terça-feira, 5 de agosto de 2008

Arte e Filosofia: Silêncio Eloqüente, Forma e Economia




"Na arte é difícil dizer algo tão bom quanto: nada dizer"
(CV, p. 26; MS 156a, p 57r - entre 1932 e 1934)

Difícil é negar que com a palavra "arte" Wittgenstein não esteja pensando aqui em gramática. No parágrafo anterior a esta frase ele havia mencionado primeiro Freud e a sua busca pelas causas do desejo, e depois a teoria das cores de Goethe. Ambos os autores constituíram morfologias, mas esperavam que as suas razões fossem reconhecidas como causas e fossem correlativas a alguma coisa que pudesse ser chamada de "ciência".

Esse é o grande desperdício: dizer o que a linguagem não diz e sobrecarregar o sentido com elementos desnecessários.

Wittgenstein já havia feito a distinção dizer/mostrar no Tractatus, mas ali era diferente. O dizer estava restrito a proposições que compartilhassem com os fatos uma forma lógica, que os representasse. Enquanto representavam os fatos, os diziam, as proposições ao mesmo tempo mostravam o seu sentido (uma primeira forma de "mostrar"), e até mesmo mostravam o ético e o estético como sentimento ou limite do mundo (um segundo "mostrar").

Depois de 1930, não há mais restrições ao "dizer". Dizemos dentro de gramáticas, e elas são várias, múltiplas, de todos os tipos. Portanto, mostramos segundo tais dizeres, em conformidade com eles. Isso é o que interessa.

No interior de uma gramática não teria sentido dizer, por exemplo, "o metro tem um metro". A descrição seria vazia, pois, ao contrário, é com a proposição "o metro tem um metro" que messo a extensão de objetos dados na experiência, e sobre eles posso dizer algo de significativo (cf. IF § 50). "O metro tem um metro" é uma proposição gramatical nesse caso, um limite de um jogo de linguagem, uma regra com a qual organizo a experiência e digo algo sobre ela.

O fato é que, retomando a questão estética, Wittgenstein escreve sentenças filosóficas com caráter literário de poemas (cf. CV, p. 28), e que agem tão silenciosamente como o gesto em arquitetura; poemas que compartilham um certo estilo cabralino: preservar a operação própria da linguagem na maneira de relacionar-se com ela. Isto é, integrando-se à linguagem tal como um toureiro ao movimento leve e coreográfico da doma do touro com uma bandeira vermelha: sem perfumar a flor, sem poetizar o poema.

No reconhecimento e no respeito às regras do jogo está o silencioso segredo de diferenciar-se no jogo e começar a fazer, senão outras coisas, mais coisas. Não o esperado, não o já cansado estereótipo.

E também aqui a grande diferença entre um tipo de filosofia como a de Wittgenstein e a que fez Deleuze, por exemplo. Apesar do filósofo das máquinas nomádicas desejantes e do corpo sem órgãos ter constituído operações pragmáticas em filosofia – isso é que é realmente a esquizoanálise -, ele não é para nada econômico em metafísica.

E como é difícil negar também aqui que com as descrições gramaticais Wittgenstein ainda não esteja mostrando tudo aquilo que não se pode dizer...

O trabalho em filosofia, para ele, era como o trabalho em arquitetura: sobre como se vê as coisas (cf. CV, p. 24). Não para dizer explicitamente nada pra ninguém. Um trabalho sobre a forma, sem ornamentos, nada que pudesse veicular conteúdos (IF § 217).