quarta-feira, 8 de abril de 2009

O Sentido Íntimo das Cousas (2)

Quando Caeiro disse que "o único sentido íntimo das cousas é elas não terem sentido íntimo nenhum", ele, em seu apreço pelos aparentes paradoxos, dá sentido ao que naturalmente não tem sentido.

Essa é a diferença, por exemplo, entre o ético e o trágico. O trágico é o fato de que o mundo é totalmente indiferente à minha vontade, enquanto o ético é a quase inútil exigência de que o mundo tenha algum sentido.

Do que se depreende que linguagem é uma constante reconstrução; que é uma batalha diária de humanização das relações do eu com as coisas, com o outro e consigo mesmo; que ela implica o atrito entre a pulsão e a possibilidade da sua realização; e que é no interior dessa luta, na práxis, contra a subjugação, que conquistamos uma subjetividade.

A subjetivação dissolve o paradoxo (?).

domingo, 5 de abril de 2009

No Círculo Cínico

No Círculo Cínico é o nome de um livro de Ricardo Goldenberg.

Se o nosso tempo for realmente, como o descrevem algumas análises do espírito contemporâneo, o do cisnismo, então a maioria das expressões do pensamento que surge hoje em dia deverá carecer de autenticidade.

Sim, porque o cinismo, no sentido da desfaçatez e do descaramento em que o circunscrevo aqui, e não daquela escola de filosofia antiga que defendia o despojamento material e moral, consiste em simular o autêntico, em parecer-ser, em fingir uma legalidade ou uma moralidade, a fim de angariar alguma vantagem.

Reconhecer-se-á o cínico pela absoluta falta de compromisso com o que apregoa. Todo o resto, o discurso, é semelhante.

Desse modo, não é difícil hoje encontrar o marxista cujo marxismo é tão verdadeiro quanto o sincero amor de Xuxa pelas criancinhas, ou o artista cujo interesse vai, além da arte, direto para a fama e seus dois rendimentos mais ansiados, o sexo e o poder, ou os psicanalistas lacanianos especializados em política, aplicando, de modo imediato e canhestro, uma boa mitologia clínica no complexo e intrincado campo social.

Essas pessoas me lembram vivamente um certo morador da Cidade Universitária II, ali ao lado da Unicamp (Campinas-SP), na Avenida Luiz di Tella, que construiu um castelo num espaço exíguo, e encaixou no local uma estátua de si mesmo. Normalmente é a sociedade quem se encarrega de reconhecer seus heróis e próceres, post mortem, é claro, e homenageá-los com estátuas por causa de algum benefício social. Mas esse homem resolveu dar-se a si esse reconhecimento, mesmo independente de qualquer ato coletivamente benfazejo, simulando a opinião alheia e o rito social à moda do solipsismo, e colocando sua estátua em posição panorâmica como um grande e eterno prócer. O detalhe, nada insignificante aqui, é que falta autenticidade.

Na luta selvagem na qual a economia de mercado livre nos mergulha, o cinismo em arte, filosofia e psicanálise parece até compreensível. Afinal, para que ser gênio e não ser compreendido? É melhor mesmo vender ova de baiacu como caviar pra não morrer de fome...

Em arte, filosofia e psicanálise a lógica, hoje, é inaugurar estátuas de si mesmo.