segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

A Palo Seco

O que há na vida de tão espetacular se o mais das vezes a nossa face triste e miserável é o que se deixa ver?

Talvez seja não o espetáculo grandioso, o que esperamos, o rio imenso, espesso, mas o mais mínimo, quase inócuo, o incontado.

Talvez seja o que diz Cabral, que o que vive incomoda de vida, não o caudaloso, que arrebenta na cheia tudo por onde passa. Mas o que persiste, a formiga no chão, o cão que volta não importa o que se faça, o latido do coração.

Ficar, de novo, silenciosamente apaixonado por essa mulher na minha frente, que é tão bela e não se dá conta, que é tão simples que quero abraçá-la, que é tão complexa que temo dizê-lo.

O que vive incomoda porque insiste com o aceno da solidão.
O que vive explode de vida e não se pergunta por solidão.
O que vive está sempre aqui, ao toque da mão, diante do olhar, na composição, mau e bom, no próprio risco de tentar viver, no puro ato de bater de novo o coração.

A vida, o mais mínino; a alegria, a explosão.

6 comentários:

filomena disse...

O “ensinamento” é de Adélia Prado:


Minha mãe achava estudo

a coisa mais fina do mundo.

Não é.

A coisa mais fina do mundo é o sentimento.

Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,

ela falou comigo:

'coitado, até essa hora no serviço pesado'.

Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente.

Nunca me falou em amor.

Essa palavra de luxo.

Decolonizing Wittgenstein disse...

O incontável é grande demais para caber num conjunto, e um conjunto infinito não é pensável senão como paradoxo. Então, em certos casos, uma palavra estraga o que se quer dizer, e uma palavra infinita, como a que Adélia menciona, é um luxo.

Mas a eloqüência dos gestos cravam com muito mais profundidade o significado, e a impressão é definitiva, inapagável.

Os gestos não são coisa de dar-se conta nem de se ter cuidado. Porque são coisas simples, que não mentem, que dispensam qualquer pensamento e qualquer menção.

Eu não tenho como não ficar profundamente impressionado. Diante de mim são gestos, antes e junto com o que é dito.

Mas para dizê-lo, a vc, só ao pé do ouvido, em segredo, como convém a palavras que são verdadeiras pedras preciosas.

filomena disse...

É muito difícil de saber quem é o "você" de um blog. É todo mundo, pois são escritas abertas. Mas eu digo que tudo que se deseja dizer, deve ser dito, pois o não dito leva a tragédias gregas como a teia de Philomela. E o dito pode levar ao que é verdadeiro acalento descrito nas poesia. Uma viciada em poesia como eu só pode mesmo encontrar tudo nelas. Pois diga.

Se for possível, manda-me dizer:
- É lua cheia. A casa está vazia -
Manda-me dizer, e o paraíso
Há de ficar mais perto, e mais recente
Me há de parecer teu rosto incerto.
Manda-me buscar se tens o dia
Tão longo como a noite. Se é verdade
Que sem mim só vês monotonia.
E se te lembras do brilho das marés
De alguns peixes rosados
Numas águas
E dos meus pés molhados, manda-me dizer:
- É lua nova -
E revestida de luz te volto a ver.

Decolonizing Wittgenstein disse...

O você de um blog é todo mundo. Mas tem um você que é um perfume, um jardim ensolarado e a penumbra calma e calorosa da noite.

Só tem um você que explode de vida e me arrebata num instante, que me colhe desavisado como um raio sem tempestade, que me quebra o sono petrificado e me devolve uma alegria roubada.

Isso você vai saber, se já não sabe, porque eu certamente vou lhe dizer.

Anônimo disse...

Parabéns pelo Blog, muito bem organizado e dinâmico.
Abraços Literários
Marcos Miorinni

Decolonizing Wittgenstein disse...

Obrigado pelo estímulo, Miorinni.
Abçs literários.
JJ.