domingo, 21 de dezembro de 2008

A Resistência é do Analista

Quero trazer aqui pra frente uma parte da reflexão do meu amigo Rodrigo Suárez Abreu, que me chama a atenção no comentário ao post de baixo para o fato de que o simples, que ali menciono, é, na verdade, muito difícil. Árduo, eu diria.

Rodrigo diz "E
isso é o que torna tão difícil ser psicanalista, pois na clínica, o psicanalista experimenta a capacidade de despojamento que ele tem de si mesmo, de seus valores, de preconceitos, através dos resultados ressubjetivantes ou não de suas intervenções para com seus pacientes.
"

O que ele expressa, eu creio, é a dificuldade da resistência do analista: a dificuldade da ética do desejo. Não é fácil ser analista, não é para qualquer um. Se não houver despojamento, de fato, não há análise. Mas, quem é realmente, de verdade, capaz de despojamento?

Lacan disse "Não há na análise outra resistência senão a do analista" (Écrits, p. 377). A resistência do paciente são favas contadas. Já sabemos que ele fará de tudo para sabotar a análise e que esses movimentos, esses atos, são parte da transferência e preciosas amostras do inconsciente do sujeito. O analista não pode perder ali a oportunidade de realizar um ato analítico. Mas, e o próprio analista?

Se ele mesmo não tiver saído de sua própria prisão narcísica, não fará nenhuma intervenção analítica - perderá todas as oportunidades, será incapaz de ouvir o paciente. Portanto, a análise só pode ser difícil ou árdua por motivos éticos, porque é difícil não olhar para o próprio umbigo. Por outro lado, ouvir o paciente, acolher o seu sofrimento, é a única condição para sair da dor.

Assim, é simples e é árduo - do ponto de vista clínico. Simples, porque a tarefa do analista é ocupar a sua posição na transferência; árduo, porque é difícil desocupar-se de si e fazer-se objeto causa do desejo do outro.

A dificuldade da análise vê-se no fato de que o analista deve poder decidir se aceita ou não como paciente o potencial suicida.

Isso é simples.

4 comentários:

Anônimo disse...

João, esqueci de deixar aqui meu comentário...adorei sua reflexão final! Só poderíamos ter chegado mesmo a essa conclusão bem psicanalítica, não acha? Que a dissolução de um problema em psicanálise é árdua e simples, ao mesmo tempo! Hahaha...
Como lhe falei, tenho lido Fernando Pessoa e tem uns versos dele nos poemas completos de Alberto Caeiro que, para mim, traduzem sem saber, o olhar do psicanalista, eis aqui: "O essencial é saber ver, saber ver sem estar a pensar, saber ver quando se vê, e nem pensar quando se vê, nem ver quando se pensa. Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!), Isso exige um estudo profundo, uma aprendizagem de desaprender..."
Um abraço!!!

Anônimo disse...

João...desse eu gosto demais!
Você conhece?

"Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completo quando não entendo.

Não entender, do modo como falo, é um dom.

Não entender, mas não como um simples estado de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma bênção estranha, como ter loucura sem ser doido.

É um desinteresse manso, uma doçura de burrice.

Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais, mas pelo menos entender que não entendo.
Clarice Lispector

Decolonizing Wittgenstein disse...

O poema de Caeiro é coisa para ser colocada num quadro num consultório de psicanálise. Já não me lembrava dele.

O da Clarice Lispector é uma iluminação filosófica. Não conhecia. Em que livro está?

Anônimo disse...

João,

Descobri! Está no livro "A descoberta do mundo" de Clarice L.
Abraço